Relator: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO
Órgão julgador:
Data do julgamento: 13 de novembro de 2025
Ementa
RECURSO – APELAÇÃO CÍVEL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO QUE ACOLHEU A IMPUGNAÇÃO APRESENTADA PELA PARTE EXECUTADA, JULGOU EXTINTA A EXECUÇÃO E REVOGOU O BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA ANTERIORMENTE CONCEDIDO AO EXEQUENTE. INSURGÊNCIA DO CREDOR. JUSTIÇA GRATUITA. PRETENDIDA A MANUTENÇÃO DA BENESSE EM SEU FAVOR. SUBSISTÊNCIA. MERO ÊXITO NA DEMANDA DE CONHECIMENTO, COM O CONSEQUENTE RECEBIMENTO DE QUANTIA QUE REPRESENTA ELEVADO ACRÉSCIMO AO PATRIMÔNIO DA PARTE, QUE NÃO IMPLICA, POR SI SÓ, O AFASTAMENTO DA SUA CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIENTE FINANCEIRA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE EFETIVA ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DA PARTE. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PRETENDIDA A REJEIÇÃO DO INSTRUMENTO DE DEFESA. ALEGAÇÃO DE QUE A CORREÇÃO MONETÁRIA REPRESENTA ENCARGO ACESSÓRIO DO PRINCIPAL, RAZÃO PELA QUAL O SEU DEBATE NA FASE DE EXECUÇÃO NÃO CONFIGURA VIOLAÇÃO AO TÍTULO EXECUTIVO. TESE DE QUE A OBRI...
(TJSC; Processo nº 5009700-17.2024.8.24.0005; Recurso: recurso; Relator: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 13 de novembro de 2025)
Texto completo da decisão
Documento:6973797 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5009700-17.2024.8.24.0005/SC
RELATOR: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto por F. G. A. S. contra sentença que: homologou o acordo celebrado entre as partes, extinguindo o feito com resolução de mérito (art. 487, III, “b”, do CPC); indeferiu o pedido de aplicação da cláusula penal por pagamento extemporâneo do acordo e; revogou o benefício da justiça gratuita anteriormente concedido à autora, nos seguintes termos:
Homologo o acordo firmado entre as partes (Evento 13, ACORDO2) - já cumprido na sua integralidade, conforme demonstrado no Evento 20, OUT5 - e nos termos dele extingo esta ação com resolução do mérito, na forma do art. 487, III, "b", do CPC/2015.
Indefiro o requerimento da autora, para "intimação da empresa requerida para o pagamento da multa contratual, no importe de R$ 8.800,00 (oito mil e oitocentos reais)" (Evento 29, PET1), que se for o caso deve ser formulado em ação própria, certo que o objeto desta ação judicial (que, fixado pela causa de pedir e pelos pedidos apresentados na petição inicial, diz apenas com a discussão sobre a existência e a extensão da responsabilidade civil pelo acidente nela narrado) se exauriu com o pagamento dos valores contidos no acordo do Evento 13, ACORDO2. O cumprimento e as consequências de eventual cumprimento tardio daquele acordo (segundo consta no Evento 20, OUT5, em razão da inconsistência dos dados bancários informados pela própria autora) não fazem parte do objeto desta ação.
Na forma do art. 90, § 2º, do CPC/2015, arcarão as partes pro rata com as custas/despesas processuais, ficando revogada a Justiça Gratuita concedida à autora porque o recebimento à vista da indenização acordada entre as partes (R$ 74.800,00) autoriza a ilação de que ela tem plenas condições financeiras de arcar com a metade dos custos do processo sem prejudicar a própria subsistência.
No mais, anoto que o art. 90, § 3º, do CPC/2015 não se aplica à Justiça Estadual1. Afinal, as custas judiciais (ou Taxa de Serviços Judiciais, na forma da Lei Estadual nº 17.654/2018) ostentam natureza jurídico-tributária de taxa, e o art. 151, III, da CF veda à União a instituição de isenção tributária heterônoma. Tanto é assim que o art. 15, § 2º, da Lei Estadual nº 17.654/2018 dispõe que "nas hipóteses de (...) transação que ponha termo à lide, em qualquer fase do processo, a parte não estará dispensada do pagamento da Taxa de Serviços Judiciais e das despesas processuais cujo fato gerador já tenha ocorrido, nem terá direito à restituição, salvo nas hipóteses de recolhimento a maior2".
Honorários advocatícios já acertados, nos termos do Evento 13, ACORDO2.
Em suas razões recursais, a parte apelante sustentou, em apertada síntese, que o pagamento do acordo foi realizado fora do prazo pactuado, o que ensejaria a aplicação da cláusula penal de 10% sobre o valor total acordado (R$ 88.000,00); a execução da cláusula penal poderia ser promovida nos próprios autos, por tratar-se de obrigação decorrente de acordo homologado judicialmente e; a revogação da justiça gratuita seria indevida, pois os valores recebidos no acordo destinam-se à sua subsistência e recuperação médica.
Ao reclamo interposto sobrevieram contrarrazões, oportunidade em que se refutaram as teses suscitadas e pugnou-se pela manutenção da sentença hostilizada.
Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
É o relatório necessário.
VOTO
Do juízo de admissibilidade
Nos termos do artigo 98, § 5º, do Código de Processo Civil, concedo à parte recorrente o benefício da justiça gratuita, exclusivamente para fins de isenção do recolhimento do preparo recursal, com o objetivo de assegurar o exercício do direito constitucional ao duplo grau de jurisdição.
Verifico que o recurso foi interposto dentro do prazo legal, sendo, portanto, tempestivo. Além disso, estão presentes os pressupostos de admissibilidade, tanto os extrínsecos (tempestividade, regularidade formal e preparo, este dispensado pela gratuidade ora deferida), quanto os intrínsecos (legitimidade, interesse recursal e adequação da via eleita).
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Do mérito recursal
A controvérsia cinge-se à análise de dois pontos principais: (i) a possibilidade de execução da cláusula penal por pagamento extemporâneo do acordo homologado judicialmente; e (ii) a revogação do benefício da justiça gratuita anteriormente concedido à autora.
1. Da cláusula penal por pagamento extemporâneo
O acordo celebrado entre as partes previa o pagamento de R$ 88.000,00 em até 10 dias corridos da assinatura, sob pena de multa contratual de 10%.
Embora o pagamento tenha sido realizado fora do prazo, o pedido de aplicação da cláusula penal foi formulado antes da prolação da sentença homologatória, e sem que a parte requerida tenha sido intimada para se manifestar sobre o alegado descumprimento.
No caso concreto, não houve oportunidade para a parte ré se manifestar sobre o pedido de aplicação da penalidade, o que inviabiliza sua análise no momento processual em que foi apresentado. Eventual pretensão de cobrança da cláusula penal deverá ser deduzida em ação própria, com observância do devido processo legal.
Assim, mantém-se o indeferimento do pedido de aplicação da cláusula penal.
2. Da justiça gratuita
A sentença revogou o benefício da justiça gratuita com fundamento no art. 90, § 2º, do CPC, sob o argumento de que o recebimento à vista da quantia de R$ 74.800,00 autorizaria a ilação de que a autora possui condições financeiras de arcar com os encargos processuais.
Todavia, o recebimento de valores decorrentes de acordo judicial, especialmente em ações indenizatórias, não afasta automaticamente a condição de miserabilidade, sobretudo quando demonstrado que tais valores têm destinação específica para custeio de despesas médicas, fisioterapia, alimentação, moradia e demais necessidades básicas da parte autora.
A jurisprudência do TJSC tem reconhecido que a presunção de hipossuficiência permanece válida quando não há prova robusta de alteração da condição econômica:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO QUE ACOLHEU A IMPUGNAÇÃO APRESENTADA PELA PARTE EXECUTADA, JULGOU EXTINTA A EXECUÇÃO E REVOGOU O BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA ANTERIORMENTE CONCEDIDO AO EXEQUENTE. INSURGÊNCIA DO CREDOR. JUSTIÇA GRATUITA. PRETENDIDA A MANUTENÇÃO DA BENESSE EM SEU FAVOR. SUBSISTÊNCIA. MERO ÊXITO NA DEMANDA DE CONHECIMENTO, COM O CONSEQUENTE RECEBIMENTO DE QUANTIA QUE REPRESENTA ELEVADO ACRÉSCIMO AO PATRIMÔNIO DA PARTE, QUE NÃO IMPLICA, POR SI SÓ, O AFASTAMENTO DA SUA CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIENTE FINANCEIRA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE EFETIVA ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DA PARTE. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PRETENDIDA A REJEIÇÃO DO INSTRUMENTO DE DEFESA. ALEGAÇÃO DE QUE A CORREÇÃO MONETÁRIA REPRESENTA ENCARGO ACESSÓRIO DO PRINCIPAL, RAZÃO PELA QUAL O SEU DEBATE NA FASE DE EXECUÇÃO NÃO CONFIGURA VIOLAÇÃO AO TÍTULO EXECUTIVO. TESE DE QUE A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR, DADA A SUA DESTINAÇÃO, NÃO PODE SE SUJEITAR A UM VALOR FIXO ARBITRADO HÁ QUASE DEZ ANOS, SOB PENA DE ACARRETAR MANIFESTO PREJUÍZO AO EXEQUENTE. PARCIAL ACOLHIMENTO. CORREÇÃO MONETÁRIA QUE CONSTITUI MERA FORMA DE ADEQUAÇÃO FINANCEIRA, A FIM DE REPARAR PERDAS QUE OCORREM EM RAZÃO DA INFLAÇÃO. SIMPLES RECOMPOSIÇÃO DO VALOR AQUISITIVO DA MOEDA. PRESTAÇÕES ALIMENTÍCIAS, DE QUALQUER NATUREZA, QUE DEVEM SER ATUALIZADAS SEGUNDO ÍNDICE OFICIAL REGULARMENTE ESTABELECIDO. EXEGESE DO CÓDIGO CIVIL (ART. 1.710). ADEMAIS, CORREÇÃO MONETÁRIA QUE INCIDE SOBRE QUALQUER DÉBITO RESULTANTE DE DECISÃO JUDICIAL (ART. 1º DA LEI N. 6.899/81). OMISSÃO DO TÍTULO EXECUTIVO NO TOCANTE À RECOMPOSIÇÃO DA MOEDA QUE NÃO IMPEDE A CORREÇÃO DO VALOR HISTORICAMENTE FIXADO, UMA VEZ QUE NÃO CONFIGURA ACRÉSCIMO PATRIMONIAL E, POR CONSEGUINTE, OFENSA À COISA JULGADA. BASE DE CÁLCULO DA PENSÃO QUE CONTINUARÁ A MESMA, EM OBEDIÊNCIA AO TÍTULO EXECUTIVO QUE NÃO PREVIU FORMA DE REAJUSTE. ALTERAÇÃO SOBRE O VALOR QUE REPRESENTARÁ MERO AJUSTE EM DECORRÊNCIA DA DESVALORIZAÇÃO NATURAL DA MOEDA. PRECEDENTE DA CORTE SUPERIOR. RECOMPOSIÇÃO, TODAVIA, QUE DEVE ATINGIR TÃO SOMENTE AS PRESTAÇÕES QUE SE VENCERAM NO CURSO DA LIDE E A VINCENDAS. SENTENÇA REFORMADA PARA ACOLHER APENAS EM PARTE A IMPUGNAÇÃO APRESENTADA. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, ApCiv 5003542-22.2022.8.24.0067, 7ª Câmara de Direito Civil, Relator para Acórdão OSMAR NUNES JÚNIOR, julgado em 29/08/2024)
No caso, a autora apresentou declaração de hipossuficiência e documentos que demonstram sua condição de autônoma, impossibilitada de exercer atividade laboral em razão de lesão grave. A parte ré não trouxe elementos suficientes para infirmar essa presunção.
Dessa forma, deve ser deferido o benefício da justiça gratuita, nos termos do art. 98 do CPC.
Da verba honorária recursal
A majoração dos honorários em sede recursal foi prevista pelo Código de Processo Civil em seu art. 85, § 11:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
[...]
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
O Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5009700-17.2024.8.24.0005/SC
RELATOR: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. ACIDENTE EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL. ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. recurso da parte autora.
PAGAMENTO EXTEMPORÂNEO. PEDIDO DE APLICAÇÃO DE CLÁUSULA PENAL FORMULADO ANTES DA SENTENÇA homologatória. AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE NOS PRÓPRIOS AUTOS. NECESSIDADE DE AÇÃO AUTÔNOMA.
JUSTIÇA GRATUITA. REVOGAÇÃO NA SENTENÇA EM RAZÃO DO RECEBIMENTO DE INDENIZAÇÃO. VALOR DESTINADO À SUBSISTÊNCIA E RECUPERAÇÃO MÉDICA. PRESUNÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO ELIDIDA. DOCUMENTOS QUE COMPROVAM A CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE. DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para deferir o benefício da justiça gratuita, nos termos do art. 98 do CPC, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 13 de novembro de 2025.
assinado por Marco Aurélio Ghisi Machado, Desembargador Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6973798v3 e do código CRC 50d7a08f.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Marco Aurélio Ghisi Machado
Data e Hora: 14/11/2025, às 16:35:30
5009700-17.2024.8.24.0005 6973798 .V3
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 15:44:11.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas
Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 12/11/2025 A 19/11/2025
Apelação Nº 5009700-17.2024.8.24.0005/SC
RELATOR: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO
PRESIDENTE: Desembargador MARCOS FEY PROBST
Certifico que este processo foi incluído como item 163 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 12/11/2025 às 00:00 e encerrada em 13/11/2025 às 22:20.
Certifico que a 1ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 1ª CÂMARA ESPECIAL DE ENFRENTAMENTO DE ACERVOS DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO PARA DEFERIR O BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA, NOS TERMOS DO ART. 98 DO CPC.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO
Votante: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO
Votante: Desembargador MARCOS FEY PROBST
Votante: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR
ALESSANDRA MIOZZO SOARES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 15:44:11.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas